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Onde Morre o Amor
Capítulo 1
Jhully
Jhully era uma boa menina. Doce, sincera, singela, sempre sorrindo, sempre amável. Todos a queriam como amiga e também ao seu lado. Sua boca era mais desejada do que dinheiro. Seu abraço curava mais que a ciência. Sua vida era uma verdadeira trilogia, sobre uma menina que tinha mais luz em si do que qualquer estrela.
Jhully via algo em mim que ela gostava. Dizia que divagava quando conversávamos, ainda que fossemos tão diferentes. Éramos amigos. Nos conectávamos, de algum jeito, por algum motivo. Eu tinha um anjo em minha vida e sabia disto.
Certa vez ela me disse:
— Por que não sorri mais? As pessoas gostam tanto de você e você não dá uma chance para ninguém.
Eu não soube responder. Só não tinha vontade. Só não queria estar perto de qualquer pessoa. Sempre fui fechado, na minha, quieto e instável, volátil e escuro, amargurado e incompreendido. Era mais seguro. Era mais confortável. Assim eu não magoava ninguém e ninguém podia me magoar. Se eu estivesse sozinho, como poderia ser ferido? Somente por mim. Eu estava disposto a ser o meu único inimigo.
Mas a solidão tem um preço alto. Caro, caro demais. E aos poucos eu não tinha mais como pagar. Nas noites tristes de
inverno, e nos dias quentes de verão, eu estava comigo. Apenas eu. Sem família. Sem amigos. Por pura e completa opção. Sempre lidei com isso. Enquanto deu. Até onde deu. Até onde aguentei. Até onde percebi que eu não era mais eu.
Eu não me conhecia. Não sabia nem do que eu gostava; aparentemente não gostava de nada. Estava sem rumo e sem ninguém para me dizer para onde ir. Sem caminho. Sem trilha. Sem norte. Sem nada. Eu era um vazio no espaço, matando o tempo do jeito errado. Eu era o resquício de uma história abandonada. Um projeto que nunca teve continuidade.
Perguntei para Jhully:
— Como faço para sorrir mais?
Ela disse:
— Olhe para o céu. O que você vê?
— Eu não vejo nada. Há apenas nuvens que estampam o azul do infinito.
— E você quer mais do que isso?
— Eu quero ser feliz, apenas. Sem causar problemas, sem temas, sem tramas, sem algemas, sem dor.
— Diego, não temos muito para perder. O jogo pode acabar amanhã. A vida é um sopro. Se não aproveitarmos como é possível, então chegaremos ao final completamente arrependidos.
Então ela olhou para o céu por dez minutos ininterruptos. E eu fiquei ali, sem entender nada do que ela tinha dito.
Pode parecer simples para você: “Diego, apenas saia, beba, se divirta. Dance, grite, enlouqueça. Coma, viva, morra, apenas faça qualquer coisa”. Só que isso não tinha sentido para mim. Mesmo assim eu tive que ir. Não tinha outra opção além de enlouquecer trancado no meu quarto.
Fui para uma festa com um conhecido e alguns amigos dele. Não tínhamos muito contato, ele não era a pessoa mais
popular do mundo. Suas opções eram escassas, assim como as minhas. Então comecei a beber. Era vodca pura. De maçã verde. Horrível. Mas eu queria me torturar naquela noite. Chegamos na fila da festa. As pessoas eram esquisitas.
Todas pareciam se odiar e estavam todas no mesmo lugar (por quê?). Depois de algum tempo eu estava bêbado. Comecei a falar com todo mundo, sem parar, e é só disso que me lembro. Do resto da noite tenho alguns flashs, lembranças vagas que não sei se são reais. Taylor me contou que eu fiquei travado, vomitei no banheiro da festa, fiz fiasco e, como se não bastasse, ainda perdi a minha carteira. Comecei mal, de fato.
No outro dia eu estava acabado. Continuava sozinho. E agora, ainda, estava de ressaca e arrependido.
Por que eu faço tudo errado? Onde está o problema em mim? Foi a pergunta que me fiz por noites inteiras. Por que sou assim, despedaçado? Um robô desajeitado? Um homem de lata que tem três corações e não consegue ouvir nenhum. Um louco. Um bebum. Um pouco de um surto individual de um garoto que queria saber o final da história sem nem ter começado?
Tinha ilícitos na minha gaveta e cerveja na minha geladeira. Um vazio enorme no meio do meu peito e uma dor solitária me assombrando. Olhei para a janela e imaginei-me cair. Não tinha motivos para levantar. Então liguei para Jhully.
— Alô? Jhully? Como você está?
— Oi, Di! São 05h36 da manhã, o que aconteceu?
— Nada. Só estava triste e queria conversar.
— Tudo bem. O que te deixou triste?
— É a vida, de novo. Tão ríspida e lisa, como se fosse uma folha em branco e meu lápis estivesse quebrado.
— Fica calmo... precisamos viver um dia de cada vez, senão vamos enlouquecer. Amanhã, na hora em que acordar, pense em tudo que tem vontade de fazer e apenas faça. Vai ter algo que te fará bem.
Conversamos por dez minutos. Disse a ela o que imaginei e ela disse que eu faria muita falta para ela. Então dormi.
Você deve estar se perguntando: “Jhully é uma garota espetacular, por que não tenta ficar com ela?” Nós já conversamos sobre isso e concluímos que era melhor não. Ela prezava por nossa amizade e eu a achava boa demais para mim. Então ficamos assim. Ela me ajuda. Eu faço o que é possível para que ela fique feliz. Parece o ideal.
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